As últimas folhas do outono
14:20
| Postado por
Thais Pampado
-Eu quero criar um
jardim. O nosso jardim.
O pequeno
portão de ferro rangeu quando foi aberto. Pedaços de tinta descolaram das
grades e colaram-se à mão do homem que o abrira, porém este não fez esforço
para limpá-los. Chamava-se Pedro. Ele era uma figura alta e magra, e usava um
sobretudo escuro para se proteger do frio daquela manhã de outono. Seus olhos,
de um azul extremamente claro, pareciam escurecer frente à paisagem que se
encontrava à sua frente.
Naquele espaço,
havia os restos de um jardim. Pedro se lembrava de como ele era antes: cheio de
cores, os aromas das flores preenchendo o ar, a grama macia cobrindo o chão. E
os risos dela sempre ecoando. De Marissa.
Foi ela que
teve a ideia de eles criarem um jardim. Ambos gostavam de mexer com plantas, e
aquele seria o lugar deles. Quase todos os dias iam para lá. Acompanharam as
flores surgirem e tomarem conta do espaço, as mudas de árvores ficarem mais
altas que eles e começarem a dar frutos, as folhas caírem no outono e
ressurgirem.
Costumavam
deitar-se na grama, conversando sobre bobagens, se beijando e rindo. Marissa
era uma pessoa alegre; seu riso era fácil e estava sempre pronto a sair de seus
lábios. Todos os dias, enquanto cuidavam do jardim, Pedro ficava ouvindo o riso
de Marissa.
Sempre achou
que aquele riso era uma parte do jardim. Ele estava entranhado nas folhas, nas
flores e nos frutos; era o que lhes conferia a vida e a beleza.
E então,
Marissa foi embora.
Levou
consigo seu riso, e Pedro ficou sozinho. Sabia que ela nunca mais retornaria ao
jardim deles, e por muito tempo também não voltou lá. Até que, um dia,
retornou, na esperança de encontrar algumas lembranças esquecidas.
Foi nessa
manhã fria, a última do outono, que se deparou com as flores murchas, a grama
ressecada e as árvores vazias com suas folhas amareladas caídas no chão. Não
havia mais cor, e o aroma no ar era agora o de abondono e tristeza; o jardim se
tornara um cemitério.
Pedro andou
por entre os resquícios do que um dia fora um lugar de felicidade, sentindo as
folhas estalarem sob seus pés. Seus olhos eram fendas de dor ao observar a
marca da perda de Marissa. Ele quase podia ouvir o fantasma de seus risos
ecoando, algo perdido para sempre. Ele tinha razão; o riso de Marissa, sempre
ecoando, era o que dava vida ao jardim. Sem ele, não havia mais nada.
Pedro parou
em frente ao que um dia fora uma macieira, onde algumas poucas folhas resistiam
em um galho mais baixo. Estavam já amareladas, fracas. O homem aproximou-se, e
com um puxão arrancou-as dali. Segurou-as firmemente na mão, sentindo-as
estalarem e se quebrarem entre seus dedos.
Então foi
embora do jardim, desta vez para sempre, deixando apenas uma trilha com as
últimas folhas do outono atrás de si.
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Muito bem narrado seu conto, Thais. E essa frase final achei ótima.
ResponderExcluirbjs
Rosa Mattos
http://contosdarosa.blogspot.com
Lindo! Também adorei a última frase. Bjs!
ResponderExcluirOlá :)
ResponderExcluirAchei linda cada partezinha de seu conto. Vc transmitiu muita emoção a cada palavra. Uma verdadeira escritora :)
Beijos, linda semana!
@morenalilica
Doce Insensatez