Cobre


- Por favor – ela sussurrou no momento em que a primeira gota de chuva caía.

O loiro fitou aqueles olhos de avelã.

- Não – disse virando-se para sair dali.

- Por que? – perguntou Lenna, segurando-o pelo pulso e o fazendo parar. Outro pingo. E mais outro.

Diego soltou-se do aperto de mão dela, mantendo-se de costas, mas não se afastando. Não devia, não podia. Não podia estragar a vida dela como haviam feito com a sua. Mesmo que isso significasse que eles deveriam se separar. Mesmo que ele não desejasse que isso acontecesse.

- Por que, Diego? Eu estou pedindo, eu quero...

- Você não sabe o que está dizendo! Você não sabe como é ser... o que eu sou! – exclamou Diego e um trovão cortou o céu. Se ela não parasse de pressioná-lo, ele iria acabar cedendo. Por ela. Droga.

- Não, e só tem um jeito de descobrir, não é? – Lenna puxou-o pelo ombro, fazendo com que ele ficasse de frente para ela e visse a determinação estampada em seus olhos.

- Você não vai querer descobrir, Lenna. – sua voz estava calma, mas uma batalha era travada dentro de si. Desejo contra desejo. Razão contra impulso. Humano contra criatura.

E a chuva caía mais forte, encharcando as roupas deles, que se grudavam nos corpos. Os cabelos de Diego colaram-se à sua testa, mas ele os deixou ali; estava concentrado em olhar Lenna. Por que ele tinha que se apaixonar por ela? Justamente por ela? Se não tivesse se apaixonado tudo seria mais fácil. Eles não estariam ali, naquela situação, e não estaria chovendo.

- Por que?

- Que droga, Lenna, pare de perguntar o porquê das coisas! – ele exclamou perdendo a paciência e começando a andar de um lado para o outro, o que indicava que estava nervoso. Outro trovão cortou o céu e a água açoitava seus corpos e as coisas à sua volta. Diego parou de andar e respirou fundo, tentando recuperar seu autocontrole. – Você quer saber por que? – ela confirmou – Ótimo. Então eu vou te dizer e vamos ver se depois disso você desiste dessa loucura.

Diego andou até ficar novamente parado na frente dela. Por um momento, ficaram se olhando em silêncio, e a única coisa que se ouvia era o som da chuva caindo em volta deles. Então Diego começou a falar, e seus olhos cinzas nunca pareceram tão escuros quanto naquele momento.

- Você sente sua carne se dilacerando por entre presas e sente dor. Sente o sangue jorrando. Sua vista embaça e você grita, e grita e grita, mas a dor não para. Coisas acontecem na sua cabeça, sons. Os gritos que você ouve te deixam com medo e você tem medo do que acontecerá a seguir. Sua respiração vai ficando fraca, você sente seus órgãos parando de funcionar, um a um, como em uma máquina quebrada. – ele parou por um instante e depois continuou – Então a dor passa e as presas deixam sua carne. Você cai no chão, semiconsciente, perguntando-se por que diabos ainda está vivo. Mas você não está vivo, de verdade.  O sangue não corre mais em suas veias e você não sente o pulsar de um coração. Sua pele está pálida e fria como a morte. Então você se levanta e depois de um tempo você compreende. Então sai à procura de pessoas, de vítimas, de carne, de sangue. – a chuva caía mais forte do que nunca. Um galho de árvore caiu ali perto com a força do vento, mas eles não notaram. Só tinham olhos um para o outro. – E você passa a causar às pessoas tudo o que um dia você sofreu e desejou que nunca ninguém passasse. Você está amaldiçoado, até a eternidade, e não pode mudar isso. Seu destino é ser criatura. – Diego terminou de falar, mas continuou a olhar para Lenna, cuja expressão era difícil de identificar por entre as gotas de chuva.

Diego levantou a mão para acariciar o rosto dela, aproximando-se e colando os dois corpos. Agora estava ligeiramente mais seguro. Ela não continuaria a insistir depois disso. A expressão dela ainda era indistinguível.

Lenna afastou gentilmente a mão de Diego, esticando a própria para retirar os fios molhados que caíam sobre a testa do loiro. Juntou suavemente seus lábios com os dele, em um beijo calmo e apaixonado. Ele enlaçou-a pela cintura e ela passou os braços pelo seu pescoço. A chuva diminuiu um pouco, tornando-se uma garoa fraca; eles eram os únicos no parque.

Lenna afastou-se, colando sua testa na de Diego. Suas respirações misturaram-se.

- Me diz que agora está tudo bem, Lenna – o homem sussurrou. Desejou por tudo no mundo que ela tivesse desistido e que se conformasse com a idéia de que teriam que ficar separados, para o bem dela. Porque Diego a queria assim como queria saber o gosto de seu sangue. Ao mesmo tempo em que queria acariciar sua pele, queria mordê-la e retirar todo o vermelho que se escondia por trás das veias azuladas. Ao mesmo tempo em que a amava, a odiava. A odiava por tê-lo feito amá-la tanto.

- Faça, Diego – ela disse num murmúrio quase inaudível através do barulho da chuva – Faça logo, eu sei que você quer. Eu te amo, e quero ficar com você. Eu quero e você quer, faça. Por mim.

Aquelas palavras sendo murmuradas por entre a água fizeram com que Diego perdesse qualquer resto de controle que restava. O olhar de Lenna só expressava certeza quando ele a encarou por uma última vez, antes de abaixar-se em direção ao seu pescoço alvo e molhado e ali tocar a pele com os caninos afiados. Aprofundou-os, rasgando a carne, e finalmente sentiu o gosto que tanto queria.

O sangue de Lenna tinha gosto de cobre.

Quem escreve

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Thais Pampado. 20 anos. Escritora e estudante de Produção Editorial. Apaixonada por livros e por escrever. Lê praticamente qualquer gênero, mas tem uma paixão especial por fantasia e YA.
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